A comunidade Vanguarda do Rap Nacional está completando 1(um) ano de existencia, alias 1 ano de luta, de cultura, de resistencia, de ideias, de inovação e de muito debates em torno do Rap e de outros diversos assuntos interessantes, eu como profundo seguidor/admirador do rap e da comunidade citada acima não poderia deixar de fazer um post sobre o que a mesma está nos oferecendo nessa celebração. Para aqueles que não conhecem a comunidade e como ela se originou deixarei logo abaixo um breve release do Vanguarda Rap Nacional.
Release:
Vanguarda significa estar á frente, e é isso que somos, estamos à frente dos que pensam que o rap tem que está estacionado em um lugar vago no meio do nada. Não nascemos para andar em círculo, é isso que muitos têm que entender.
De uma comunidade onde queríamos que tivesse apenas 30, 40 membros, passamos dos MIL MEMBROS. (Nunca lutamos por quantidade, lutamos por qualidade) e tudo foi tomando proporções grandes. Aí veio a idéia do BLOG com o intuito de ajudar grupos que estejam começando, grupos que tem talento mas nem sempre tem uma oportunidade de mostrar seu trabalho, obtendo também entrevistas, informações, poesias e etc. (Mais recentemente a parte de livros).
Clique na imagem e conheça a comunidade.
Bom! E nessa celebração de 1 ano a comunidade está nos oferecendo um presente, trata-se de uma entrevista exclusiva com um dos Mc’s mais original do país, MC RAPadura. E mais, em primeira mão um som do mesmo que sairá na fita embolada (Versão original) e o mesmo nos concedeu para que possamos está aqui mostrando pra vocês nesta data tão importante pra VDRN. O som chama-se “norte nordeste me veste”, para quem preza por qualidade, inovação, flow, letra... Vai escutar um dos melhores sons do atual Rap Nacional. Lembrando que a versão original estará na fita embolada.O som será praticamente um Hino para o povo nordestino, mas que conterá o respeito de todos. Um som realmente foda.
Para baixar o som clique AQUI
ENTREVISTA:
VDRN: Em um trecho desse som você cita “tive que correr mais que vocês para alcançar minha vez”. Sabendo das tantas dificuldades que o nordeste sofre, nos diga como esta sendo superar o pouco desenvolvimento econômico e tecnológico da região, e fazer uma música de qualidade e inovadora?
RAPadura: Cabra, arrente já nasce abraçado a um cabo de uma enxada tendo ela como companheira pra tudo, é pouco tempo de colo e o resto da vida no solo, arrente aprende desde cedo que se chorar com a surra apanha mais ainda, isso acaba nos tornando mais duros e consistentes, mais rápidos e precisos pra não ter que apanhar da vida, e não ter que fazer todo o trabalho de novo. Numa região onde não se tem tanta tecnologia e não se tem uma economia de base forte o que fazemos é unir forças entre nós mesmos, nos organizamos e nos completamos nos espaços vagos. Se o que tenho são minhas mãos e minha enxada e eles tem tratores e cavalos, o que fazemos é nos organizar e unir nossas mãos e enxadas para que possamos arar o terreno em menos tempo possível, plantar boas sementes extraídas da própria terra e ter uma ótima colheita de cultura popular brasileira. Eles tem as máquinas e nós temos as mãos, eles tem os computadores e arrente a criatividade, eles tem os botões e nós temos as vozes e os violões. Por que temos que correr 3 ou 4 vezes mais que eles pra alcançar a mesma meta? Por que estamos nos interiores, nos sertões e eles já estão em cima da serra, na cidade. Mais isso agora vai mudar por que esse povo todo do interior cansou de ficar em baixo e vai tomar de vez esse lugar no topo que sempre foi seu por direito,oxeee.
VDRN: Muitos ainda não sabem o motivo do nome “rapadura”. Explique o por quê desse nome?
RAPadura: Quando me fazem essa pergunta eu costumo dizer que é por que “sou doce mais num sou mole” e ai caboco se dana na risada, risadas!
Esse nome “rapadura” veio quando eu jogava bola nos campinhos de terra com meus amigos,toda vez que eu chegava do campo pegava um pote de rapadura e sentava no meio fio pra comer e ai todo mundo que passava fica falando,esse ai gosta de rapadura visse? Nunca vi desse jeito.e meus amigos começaram a falar (e ai rapadura? Beleza Rapadura? Me zoando, srsrs.) E acabou ficando inté hj.
VDRN: A cana de açúcar é um dos principais produtos agrícolas do Brasil, reconhecida e de interesse internacional devido ser a principal matéria prima do etanol. E é no nordeste onde se concentra grande parte da produção da cana de açúcar, produzido principalmente por alagoas, seguido por Pernambuco e Paraíba. Diante de tanta produtividade, infelizmente o nordeste ainda é a região com maior nível de pobreza. Qual sua opinião sobre isso?
RAPadura: Mãos pobres sempre sustentaram calcanhares ricos!
Quando um país não investe na cultura do seu povo acaba arrancando suas raízes e braços orgânicos e implantando matrizes de traços mecânicos. Acaba por robotizar sentimentos, pensamentos e padronizando inté mesmo simples gestos. Ao invés de filhos tem escravos e ao invés de um povo tem empregados. A mão de obra barata é explorada inté hoje não só na produção de cana de açúcar, mais também nos cizais, usinas e fábricas de tijolos e telhas industriais. Crianças que poderiam estar estudando estão trabalhando e passando instantaneamente para a fase adulta prematura sem saber o que é infância. (O melhor do Brasil é o brasileiro) se isso fosse levado mesmo a sério não existiria tanta desigualdade neste país!
Um país que não investe na sua educação e nem na sua cultura é um país que se mata pouco a pouco, dia após dia.
VDRN: O nome "fita embolada do engenho" nada mais é do que seguir as suas raízes, sua cultura e usar um termo que é nosso, ao contrário da mixtape, que é americanizada. Você acha que o rap nacional está sem identidade, está se preocupando muito com o rap gringo e esquecendo suas raízes?
RAPadura: Na verdade cabra, vou te dizer uma coisa, pra mim rap nacional é um rap extraído das nossas terras, se você pega e faz que nem os cabra de fora isso num tem nada de nacional. Nacional é o forró, o baião, o samba, a catira, folia de reis, o mara-baixo, tudo isso é nacional. Se você pega uma batida de rap seca com elementos que não são daqui e canta algo em cima isso pra mim não é nacional, nacional é quando tem a identidade brasileira introduzida, quando tem as caractéristicas daqui, quando sai do nosso chão. Não entendo bem por que usam esse termo “mix tape” sendo que “mix tape” nada mais é que “fita misturada” o povo parece que tem preguiça de criar, inté mesmo nomes, ao invés de trazermos esse reinado colonizador para as nossas terras por que não investimos em algo nosso para que possamos expressar o nosso país com mais força em países estrangeiros? Por que ao invés de importarmos não exportamos? É mais fácil pegar algo pronto do que criar algo único, mais por outro lado vc será pra sempre a cópia de algo ou de alguém.
VDRN: Nesse som na qual estamos divulgando hoje, contém um alto teor de critica para com algumas coisas que acontece no rap e acontece com o preconceito perante o norte/nordeste. Você não tem algum receio que esse som possa ser mal interpretado por alguns e vire motivo de criticas para sua pessoa?
RAPadura: Cabra, quando você coloca seu pé no chão, você num coloca só o pé, você coloca todo o corpo, alma e espírito também, depois de anos de exclusão, boicote e esquecimento o mínimo que podem fazer agora é reconhecer o que está visível a muito tempo, que o norte nordeste é a raiz desta árvore, as grandes metrópoles só existem por que nossos pais, avós e antepassados foram lá para construir, foi através das nossas mãos, do nosso suor que toda essa fera de concreto se ergueu, e hoje tenta nos engolir. Acredito que o rap serve pra expressar o que sentimos, o que queremos protestar, se não servir pra isso, acho que de nada serve. Todo mundo fica com medo de falar isso ou aquilo de cidades grandes, por que se apegam a ela como forma de conseguir alguma coisa, de se dar bem e de se aproximar de algum tipo de fama e sucesso, mais se eu não puder ser como eu sou e penso, eu não poderei ser nada, quem for maduro e inteligente vai entender o que quero dizer com isso, quem for imaturo infelizmente pode ser que encare de uma outra forma e eu tenho que respeitar a opiniões e diferentes pontos de vista, por que só com conflitos ideológicos que arrente cresce. Mais antes de entrarmos num debate, pensem nos anos que passamos as margens e subterrados, pensem no quanto fizeram mal a cultura, pensem que depois de anos surge alguém, e esse alguém está fora dos eixos, com coragem e argumento pra falar o que sente e o que pensa sobre todo esse monopólio, e que me aceitem como eu realmente sou, por que o Brasil é muito grande pra ficar preso somente as duas torres gêmeas.
VDRN: Como você se sente sabendo que a “fita embolada do engenho” vai ser o seu primeiro trabalho, e antes dele ser lançado...você já é tido por muitos como um dos mc’s que tem o melhor flow do país? E ainda ser apontado como um dos melhores mc’s?
RAPadura: Eu me sinto com mais responsabilidade ainda, por que se isso acontece agora quer dizer que depois disso na rua terei que ter mais compromisso ainda, por que assim como uma palavra pode fortalecer milhões de vozes, uma outra palavra pode te reduzir a rimas. Depois de quase 12 anos de trabalho eu tenho visto meu povo com a auto estima acima do comum, as pessoas começando a valorizar mais a sua terra e suas origens. A maior alegria que tenho hoje é de está servindo de inspiração e espelho pra muita gente, o negócio está tão pai d’égua cabra, que inté quem num é nordestino tá querendo ser também (risos)
VDRN: Após o lançamento da “fita embolada do engenho”, rapadura já tem algum outro projeto que possa ser adiantado?
RAPadura: Eita, que arrente vai arroxar visse?
Para o ano que vem estou trabalhando no meu primeiro álbum (obra rural criação) que será a realização de um trabalho de quase 12 anos. Será um trabalho com um teor poético muito intenso e com uma versatilidade jamais vista. O que posso falar deste trabalho é que será a obra da minha vida, então aguardem uma obra cultural, artística e social inovadora, consistente e infinita.
VDRN: O que observamos hoje em dia são grupos sendo cópias de grupos. Na sua visão, qual o motivo de o rap está sempre vindo com as mesmas coisas? E para você, o rap está mesmo crescendo?
RAPadura: Isso acontece quando não temos identidade própria, quando não sabemos o que queremos pras nossas vidas, quando não temos um rumo a seguir e então ficamos batendo cabeça sem sair do labirinto interior que nós mesmo criamos. Muita gente ver alguém se dando bem em algo e tenta fazer do mesmo jeito mais isso nunca será possível, o criador jamais será superado pela criação, por que quem cria desenha ao natural e quem copia apenas amplia esse desenho que já tem o seu autor. Eu diria que a uns 5 ou 6 anos atrás o rap era mais sincero e politizado, era muito difícil você ver alguém falando besteira nas letras, cada um tinha seu estilo e o seu jeito de fazer rap, eu lembro que as letras falavam de problemas sociais, melhoria pra sua comunidade, lutar pelos direitos do povo, hoje em dia ficou muito banal e fácil fazer rap, hoje se tem estúdio barato, se tem mais eventos e mais portas de divulgação, isso tudo é muito bom pra quem trabalha com seriedade, mais por um outro lado fez muita gente se acomodar e fazer de qualquer jeito, as pessoas já não dão o valor devido a esta linda cultura que é o hip hop. O rap cresceu sim, mais em quantidade, a qualidade ainda está em falta diante do que poderíamos oferecer a quem nos ouve.
VDRN: E pegando o gancho da pergunta acima, o rap ainda sofre outro problema que é de pessoas de outros estados/regiões que se entregarem as gírias e costumes de outros estados só para ser mais “reconhecido” no rap nacional, como você enxerga isso?
RAPadura: Tem sido muito preocupante isso que está acontecendo, é uma das grandes causas da nossa falta de conhecimento e falta de aproximação de uns estados com os outros. Se cada estado tivesse um grupo de rap com a sua cara e sua essência nós aprenderíamos muito e ensinaríamos muito uns com os outros, isso não acontecendo, o crescimento e o domínio das grandes metrópoles tem aumentado sobre os outros estados e interiores brasileiros. Imagina você viajar pro ceará e conhecer grupos que fazem rap com forró, você viajar pra goiânia e ver gente fazendo rap com catira, indo para Pernambuco e vendo mc’s fazendo rap com maracatu, ir pra Brasília e ver as pessoas cantando o cerrado e a sua faúna, indo pro mato grosso e ouvindo grupos falarem sobre o pantanal e suas riquezas, indo inté ao Amapá e vendo grupos fazendo rap com o mara-baixo,
isso é lindo demais cabra, é o que espero ver antes de morrer, é pelo que luto também , quero através da musica que faço acordar as pessoas pra isso, isso acontecendo não deveremos pra seu ninguém, não existirá mais monopólio nenhum e então poderemos gritar ao mundo inteiro que fazemos rap nacional, que fazemos o rap mais enraizado do planeta.
VDRN: Você é um cara que sempre frisou em suas letras um amor a cultura hip hop e um amor a cultura nordestina. O que você acha de pessoas que estão no rap apenas com o intuito de ganhar dinheiro? O chamado “rap comercial”?
RAPadura: Olha home, pra estar dentro disso primeiro tem que haver um chamado, algo que te toma por dentro e te faz realizar coisas que você nem sabia que podia fazer, é algo que brota em cada um, num é algo que você diga que vai fazer e faz, é algo mais forte que te toma e te capacita a fazer algo que você nunca viu em vida. Se você faz algo forçado direcionado a certo tipo de gente ou certo tipo de coisa tenha um mínimo de coerência de não chamar isso de música, música é algo que nasce espontaneamente, é algo que vem conforme o que você sente, não tem como você inventar um sentimento e cantar ele, sua alma só expressa aquilo que ela sente, você pode jogar palavras vazias ao vento,isso é uma coisa, agora exalar musica é outra coisa. O que podemos ver no cenário de hoje é todo mundo fazendo a mesma coisa, por quê? Por que ninguém quer expressar o que sente de verdade, sempre querem alguém pra copiar e tentar fazer igual e nunca vão poder por que cada um tem o seu lugar no espaço. O dinheiro pode comprar muita coisa, menos a dignidade, a sinceridade e a felicidade de um ser. Se o que faz é apenas para servir um comércio então estará vendendo a sua alma, por que sua poesia é a expressão do seu ser, e quando vende a expressão do seu ser está vendendo a sua alma.
VDRN: “...Arrogância de quem não merece o carinho do povo...” (a quem possa interessar). Você acha que esse é um dos problemas que o rap enfrenta? Pessoas que ao conseguir determinada “fama” começar a agir de forma diferente?
RAPadura: Quando você se coloca maior que o seu público você acaba calando sua própria voz, por que um artista sem povo não é nada, é como se fossemos o corpo e o povo a alma, juntos somos algo grande e sólido, separados somos estranhos e pequenos, somos vazios. Devemos utilizar deste dom construído com trabalho da melhor forma possível, se eu tivesse que falar só de mim e cantar só pra mim pra quê gravaria um disco então? Pra quê mostraria isso pra alguém? Se quero falar só da minha pessoa e cantar só pra mim, melhor gravar e ficar ouvindo em casa inté a velhice, inté chegar a morte. Mais se quero ser mais humano devo compartilhar de experiências com meus próximos, aprender e ensinar, somar e dividir, é matemática de vida, arrente tem que ser o povo e o povo tem que ser arrente.
VDRN: sabemos que a sua música tem influência do mpb, bossa nova, funk, soul, entre outros. Diga quais são os álbuns indispensáveis que nunca enjoa de ouvir?
RAPadura: Eita meu fi, são tantos visse? Prepare os lombo por que vou pegar pesado, seguraiiiiiiiii!
Heleno ramalho-canção rural
Banda de pau e corda-vivência
Quinteto Armorial - do romance ao galope
Lia de Itamaracá - sou lia
Moacyr franco-nosso primeiro amor
Jackson do pandeiro- tem jabaculê
Luiz Gonzaga - sertão
Mestre ambrosio - mestre ambrosio
siba-siba e fuloresta
Marines - nordeste valente
VDRN: Você é um cara que não expressa em suas letras questões como violência, crime, drogas... Mas mesmo assim consegue fazer um som bastante informativo referente a outras questões, como cultura, como preconceito com o povo nordestino e etc. Qual a realidade que vive o Rapadura? Qual a realidade que vive o povo nordestino?
RAPadura: Esse cearense que chamam de rapadura vive pela crença no que faz, tem alegria por que tem vida e tem vida por que luta. O que se mais ver é uns cabra com a cara feia, dizendo que é ladrão, que é isso e que é aquilo e dizendo que é do rap. (risos). Pra ser do rap tem que ter a cara feia é? Tem que ter ladrão? Nunca vi isso em canto nenhum! Eu sou um cabra povão mesmo, estou sempre compartilhando sorriso com as pessoas, tenho problemas e dificuldades como todo mundo tem, mais isso não me impede de sorrir e nem de cantar coisas boas nas minhas letras. Pra falar coisa ruim já tem muita gente, então me deixem falar das coisas boas, vamos equilibrar esta balança por que o povo brasileiro tem muita coisa boa também, ao invés de mostrarmos apenas o lado negativo por que não mostrarmos o que esse povo tem de bom também? Vamos valorizar mais a nossa gente.
O povo nordestino é o povo mais alegre e simpático que conheço, é um povo que trabalha o dobro, que vive nas piores condições possíveis mais que nunca desiste e nem deixa de estender a mão a quem quer que seja.é um povo que dar a sua cama pra um estranho e dorme no chão. Tem uma criatividade tremenda para sobreviver, e vive a vida como se fosse sua arte. Povo pobre financeiramente, mass muito rico em espírito.
VDRN: Espaço totalmente aberto. Fique a vontade
RAPadura: Eita coisa boa cabraaaaaa!
Gostaria de agradecer a toda vanguarda do rap nacional e seus companheiros empenhados em divulgar o verdadeiro rap nacional, e por me dar a oportunidade de me aproximar ainda mais de todo esse povo brasileiro, não consigo ver o artista longe de sua gente, é necessário estarmos mais perto sempre. Além da musica existe um ser humano, alguém igual a todo mundo com uma vontade incessante de ver esta cultura ainda mais forte. Além de adeptos existem pessoas que lutam para manter esta cultura viva, então que nos respeitemos como seres humanos que somos, e que encaremos isso com um compromisso sério. Gostaria de agradecer a todos os estados que tem me apoiado nesta luta sem descanso principalmente os conterrâneos e companheiros do norte nordeste, vamos com força meus irmãos e irmãs, pois somos muito mais do que pensam de nós.
Quando a celebração acaba, desço do palco mais uma vez, bato de frente com a vida e é nela que a minha história esta sendo escrita.
Pé no chão e vamo simbora! Oxeeeeeeeee!
Oxente é arrente!
Atenciosamente, Rapadura xique chico
mais doce que o doce de batata doce, mais duro que carne de jegue!
Inté!
RAPadura: Cabra, arrente já nasce abraçado a um cabo de uma enxada tendo ela como companheira pra tudo, é pouco tempo de colo e o resto da vida no solo, arrente aprende desde cedo que se chorar com a surra apanha mais ainda, isso acaba nos tornando mais duros e consistentes, mais rápidos e precisos pra não ter que apanhar da vida, e não ter que fazer todo o trabalho de novo. Numa região onde não se tem tanta tecnologia e não se tem uma economia de base forte o que fazemos é unir forças entre nós mesmos, nos organizamos e nos completamos nos espaços vagos. Se o que tenho são minhas mãos e minha enxada e eles tem tratores e cavalos, o que fazemos é nos organizar e unir nossas mãos e enxadas para que possamos arar o terreno em menos tempo possível, plantar boas sementes extraídas da própria terra e ter uma ótima colheita de cultura popular brasileira. Eles tem as máquinas e nós temos as mãos, eles tem os computadores e arrente a criatividade, eles tem os botões e nós temos as vozes e os violões. Por que temos que correr 3 ou 4 vezes mais que eles pra alcançar a mesma meta? Por que estamos nos interiores, nos sertões e eles já estão em cima da serra, na cidade. Mais isso agora vai mudar por que esse povo todo do interior cansou de ficar em baixo e vai tomar de vez esse lugar no topo que sempre foi seu por direito,oxeee.
RAPadura: Quando me fazem essa pergunta eu costumo dizer que é por que “sou doce mais num sou mole” e ai caboco se dana na risada, risadas! Esse nome “rapadura” veio quando eu jogava bola nos campinhos de terra com meus amigos,toda vez que eu chegava do campo pegava um pote de rapadura e sentava no meio fio pra comer e ai todo mundo que passava fica falando,esse ai gosta de rapadura visse? Nunca vi desse jeito.e meus amigos começaram a falar (e ai rapadura? Beleza Rapadura? Me zoando, srsrs.) E acabou ficando inté hj.
RAPadura: Mãos pobres sempre sustentaram calcanhares ricos! Quando um país não investe na cultura do seu povo acaba arrancando suas raízes e braços orgânicos e implantando matrizes de traços mecânicos. Acaba por robotizar sentimentos, pensamentos e padronizando inté mesmo simples gestos. Ao invés de filhos tem escravos e ao invés de um povo tem empregados. A mão de obra barata é explorada inté hoje não só na produção de cana de açúcar, mais também nos cizais, usinas e fábricas de tijolos e telhas industriais. Crianças que poderiam estar estudando estão trabalhando e passando instantaneamente para a fase adulta prematura sem saber o que é infância. (O melhor do Brasil é o brasileiro) se isso fosse levado mesmo a sério não existiria tanta desigualdade neste país! Um país que não investe na sua educação e nem na sua cultura é um país que se mata pouco a pouco, dia após dia.
VDRN: O nome "fita embolada do engenho" nada mais é do que seguir as suas raízes, sua cultura e usar um termo que é nosso, ao contrário da mixtape, que é americanizada. Você acha que o rap nacional está sem identidade, está se preocupando muito com o rap gringo e esquecendo suas raízes?
RAPadura: Na verdade cabra, vou te dizer uma coisa, pra mim rap nacional é um rap extraído das nossas terras, se você pega e faz que nem os cabra de fora isso num tem nada de nacional. Nacional é o forró, o baião, o samba, a catira, folia de reis, o mara-baixo, tudo isso é nacional. Se você pega uma batida de rap seca com elementos que não são daqui e canta algo em cima isso pra mim não é nacional, nacional é quando tem a identidade brasileira introduzida, quando tem as caractéristicas daqui, quando sai do nosso chão. Não entendo bem por que usam esse termo “mix tape” sendo que “mix tape” nada mais é que “fita misturada” o povo parece que tem preguiça de criar, inté mesmo nomes, ao invés de trazermos esse reinado colonizador para as nossas terras por que não investimos em algo nosso para que possamos expressar o nosso país com mais força em países estrangeiros? Por que ao invés de importarmos não exportamos? É mais fácil pegar algo pronto do que criar algo único, mais por outro lado vc será pra sempre a cópia de algo ou de alguém.
VDRN: Nesse som na qual estamos divulgando hoje, contém um alto teor de critica para com algumas coisas que acontece no rap e acontece com o preconceito perante o norte/nordeste. Você não tem algum receio que esse som possa ser mal interpretado por alguns e vire motivo de criticas para sua pessoa?
RAPadura: Cabra, quando você coloca seu pé no chão, você num coloca só o pé, você coloca todo o corpo, alma e espírito também, depois de anos de exclusão, boicote e esquecimento o mínimo que podem fazer agora é reconhecer o que está visível a muito tempo, que o norte nordeste é a raiz desta árvore, as grandes metrópoles só existem por que nossos pais, avós e antepassados foram lá para construir, foi através das nossas mãos, do nosso suor que toda essa fera de concreto se ergueu, e hoje tenta nos engolir. Acredito que o rap serve pra expressar o que sentimos, o que queremos protestar, se não servir pra isso, acho que de nada serve. Todo mundo fica com medo de falar isso ou aquilo de cidades grandes, por que se apegam a ela como forma de conseguir alguma coisa, de se dar bem e de se aproximar de algum tipo de fama e sucesso, mais se eu não puder ser como eu sou e penso, eu não poderei ser nada, quem for maduro e inteligente vai entender o que quero dizer com isso, quem for imaturo infelizmente pode ser que encare de uma outra forma e eu tenho que respeitar a opiniões e diferentes pontos de vista, por que só com conflitos ideológicos que arrente cresce. Mais antes de entrarmos num debate, pensem nos anos que passamos as margens e subterrados, pensem no quanto fizeram mal a cultura, pensem que depois de anos surge alguém, e esse alguém está fora dos eixos, com coragem e argumento pra falar o que sente e o que pensa sobre todo esse monopólio, e que me aceitem como eu realmente sou, por que o Brasil é muito grande pra ficar preso somente as duas torres gêmeas.
VDRN: Como você se sente sabendo que a “fita embolada do engenho” vai ser o seu primeiro trabalho, e antes dele ser lançado...você já é tido por muitos como um dos mc’s que tem o melhor flow do país? E ainda ser apontado como um dos melhores mc’s?
RAPadura: Eu me sinto com mais responsabilidade ainda, por que se isso acontece agora quer dizer que depois disso na rua terei que ter mais compromisso ainda, por que assim como uma palavra pode fortalecer milhões de vozes, uma outra palavra pode te reduzir a rimas. Depois de quase 12 anos de trabalho eu tenho visto meu povo com a auto estima acima do comum, as pessoas começando a valorizar mais a sua terra e suas origens. A maior alegria que tenho hoje é de está servindo de inspiração e espelho pra muita gente, o negócio está tão pai d’égua cabra, que inté quem num é nordestino tá querendo ser também (risos)
VDRN: Após o lançamento da “fita embolada do engenho”, rapadura já tem algum outro projeto que possa ser adiantado?
RAPadura: Eita, que arrente vai arroxar visse?
Para o ano que vem estou trabalhando no meu primeiro álbum (obra rural criação) que será a realização de um trabalho de quase 12 anos. Será um trabalho com um teor poético muito intenso e com uma versatilidade jamais vista. O que posso falar deste trabalho é que será a obra da minha vida, então aguardem uma obra cultural, artística e social inovadora, consistente e infinita.
VDRN: O que observamos hoje em dia são grupos sendo cópias de grupos. Na sua visão, qual o motivo de o rap está sempre vindo com as mesmas coisas? E para você, o rap está mesmo crescendo?
RAPadura: Isso acontece quando não temos identidade própria, quando não sabemos o que queremos pras nossas vidas, quando não temos um rumo a seguir e então ficamos batendo cabeça sem sair do labirinto interior que nós mesmo criamos. Muita gente ver alguém se dando bem em algo e tenta fazer do mesmo jeito mais isso nunca será possível, o criador jamais será superado pela criação, por que quem cria desenha ao natural e quem copia apenas amplia esse desenho que já tem o seu autor. Eu diria que a uns 5 ou 6 anos atrás o rap era mais sincero e politizado, era muito difícil você ver alguém falando besteira nas letras, cada um tinha seu estilo e o seu jeito de fazer rap, eu lembro que as letras falavam de problemas sociais, melhoria pra sua comunidade, lutar pelos direitos do povo, hoje em dia ficou muito banal e fácil fazer rap, hoje se tem estúdio barato, se tem mais eventos e mais portas de divulgação, isso tudo é muito bom pra quem trabalha com seriedade, mais por um outro lado fez muita gente se acomodar e fazer de qualquer jeito, as pessoas já não dão o valor devido a esta linda cultura que é o hip hop. O rap cresceu sim, mais em quantidade, a qualidade ainda está em falta diante do que poderíamos oferecer a quem nos ouve.
VDRN: E pegando o gancho da pergunta acima, o rap ainda sofre outro problema que é de pessoas de outros estados/regiões que se entregarem as gírias e costumes de outros estados só para ser mais “reconhecido” no rap nacional, como você enxerga isso?
RAPadura: Tem sido muito preocupante isso que está acontecendo, é uma das grandes causas da nossa falta de conhecimento e falta de aproximação de uns estados com os outros. Se cada estado tivesse um grupo de rap com a sua cara e sua essência nós aprenderíamos muito e ensinaríamos muito uns com os outros, isso não acontecendo, o crescimento e o domínio das grandes metrópoles tem aumentado sobre os outros estados e interiores brasileiros. Imagina você viajar pro ceará e conhecer grupos que fazem rap com forró, você viajar pra goiânia e ver gente fazendo rap com catira, indo para Pernambuco e vendo mc’s fazendo rap com maracatu, ir pra Brasília e ver as pessoas cantando o cerrado e a sua faúna, indo pro mato grosso e ouvindo grupos falarem sobre o pantanal e suas riquezas, indo inté ao Amapá e vendo grupos fazendo rap com o mara-baixo,
isso é lindo demais cabra, é o que espero ver antes de morrer, é pelo que luto também , quero através da musica que faço acordar as pessoas pra isso, isso acontecendo não deveremos pra seu ninguém, não existirá mais monopólio nenhum e então poderemos gritar ao mundo inteiro que fazemos rap nacional, que fazemos o rap mais enraizado do planeta.
VDRN: Você é um cara que sempre frisou em suas letras um amor a cultura hip hop e um amor a cultura nordestina. O que você acha de pessoas que estão no rap apenas com o intuito de ganhar dinheiro? O chamado “rap comercial”?
RAPadura: Olha home, pra estar dentro disso primeiro tem que haver um chamado, algo que te toma por dentro e te faz realizar coisas que você nem sabia que podia fazer, é algo que brota em cada um, num é algo que você diga que vai fazer e faz, é algo mais forte que te toma e te capacita a fazer algo que você nunca viu em vida. Se você faz algo forçado direcionado a certo tipo de gente ou certo tipo de coisa tenha um mínimo de coerência de não chamar isso de música, música é algo que nasce espontaneamente, é algo que vem conforme o que você sente, não tem como você inventar um sentimento e cantar ele, sua alma só expressa aquilo que ela sente, você pode jogar palavras vazias ao vento,isso é uma coisa, agora exalar musica é outra coisa. O que podemos ver no cenário de hoje é todo mundo fazendo a mesma coisa, por quê? Por que ninguém quer expressar o que sente de verdade, sempre querem alguém pra copiar e tentar fazer igual e nunca vão poder por que cada um tem o seu lugar no espaço. O dinheiro pode comprar muita coisa, menos a dignidade, a sinceridade e a felicidade de um ser. Se o que faz é apenas para servir um comércio então estará vendendo a sua alma, por que sua poesia é a expressão do seu ser, e quando vende a expressão do seu ser está vendendo a sua alma.
VDRN: “...Arrogância de quem não merece o carinho do povo...” (a quem possa interessar). Você acha que esse é um dos problemas que o rap enfrenta? Pessoas que ao conseguir determinada “fama” começar a agir de forma diferente?
RAPadura: Quando você se coloca maior que o seu público você acaba calando sua própria voz, por que um artista sem povo não é nada, é como se fossemos o corpo e o povo a alma, juntos somos algo grande e sólido, separados somos estranhos e pequenos, somos vazios. Devemos utilizar deste dom construído com trabalho da melhor forma possível, se eu tivesse que falar só de mim e cantar só pra mim pra quê gravaria um disco então? Pra quê mostraria isso pra alguém? Se quero falar só da minha pessoa e cantar só pra mim, melhor gravar e ficar ouvindo em casa inté a velhice, inté chegar a morte. Mais se quero ser mais humano devo compartilhar de experiências com meus próximos, aprender e ensinar, somar e dividir, é matemática de vida, arrente tem que ser o povo e o povo tem que ser arrente.
VDRN: sabemos que a sua música tem influência do mpb, bossa nova, funk, soul, entre outros. Diga quais são os álbuns indispensáveis que nunca enjoa de ouvir?
RAPadura: Eita meu fi, são tantos visse? Prepare os lombo por que vou pegar pesado, seguraiiiiiiiii!
Heleno ramalho-canção rural
Banda de pau e corda-vivência
Quinteto Armorial - do romance ao galope
Lia de Itamaracá - sou lia
Moacyr franco-nosso primeiro amor
Jackson do pandeiro- tem jabaculê
Luiz Gonzaga - sertão
Mestre ambrosio - mestre ambrosio
siba-siba e fuloresta
Marines - nordeste valente
VDRN: Você é um cara que não expressa em suas letras questões como violência, crime, drogas... Mas mesmo assim consegue fazer um som bastante informativo referente a outras questões, como cultura, como preconceito com o povo nordestino e etc. Qual a realidade que vive o Rapadura? Qual a realidade que vive o povo nordestino?
RAPadura: Esse cearense que chamam de rapadura vive pela crença no que faz, tem alegria por que tem vida e tem vida por que luta. O que se mais ver é uns cabra com a cara feia, dizendo que é ladrão, que é isso e que é aquilo e dizendo que é do rap. (risos). Pra ser do rap tem que ter a cara feia é? Tem que ter ladrão? Nunca vi isso em canto nenhum! Eu sou um cabra povão mesmo, estou sempre compartilhando sorriso com as pessoas, tenho problemas e dificuldades como todo mundo tem, mais isso não me impede de sorrir e nem de cantar coisas boas nas minhas letras. Pra falar coisa ruim já tem muita gente, então me deixem falar das coisas boas, vamos equilibrar esta balança por que o povo brasileiro tem muita coisa boa também, ao invés de mostrarmos apenas o lado negativo por que não mostrarmos o que esse povo tem de bom também? Vamos valorizar mais a nossa gente.
O povo nordestino é o povo mais alegre e simpático que conheço, é um povo que trabalha o dobro, que vive nas piores condições possíveis mais que nunca desiste e nem deixa de estender a mão a quem quer que seja.é um povo que dar a sua cama pra um estranho e dorme no chão. Tem uma criatividade tremenda para sobreviver, e vive a vida como se fosse sua arte. Povo pobre financeiramente, mass muito rico em espírito.
VDRN: Espaço totalmente aberto. Fique a vontade
RAPadura: Eita coisa boa cabraaaaaa!
Gostaria de agradecer a toda vanguarda do rap nacional e seus companheiros empenhados em divulgar o verdadeiro rap nacional, e por me dar a oportunidade de me aproximar ainda mais de todo esse povo brasileiro, não consigo ver o artista longe de sua gente, é necessário estarmos mais perto sempre. Além da musica existe um ser humano, alguém igual a todo mundo com uma vontade incessante de ver esta cultura ainda mais forte. Além de adeptos existem pessoas que lutam para manter esta cultura viva, então que nos respeitemos como seres humanos que somos, e que encaremos isso com um compromisso sério. Gostaria de agradecer a todos os estados que tem me apoiado nesta luta sem descanso principalmente os conterrâneos e companheiros do norte nordeste, vamos com força meus irmãos e irmãs, pois somos muito mais do que pensam de nós.
Quando a celebração acaba, desço do palco mais uma vez, bato de frente com a vida e é nela que a minha história esta sendo escrita.
Pé no chão e vamo simbora! Oxeeeeeeeee!
Oxente é arrente!
Atenciosamente, Rapadura xique chico
mais doce que o doce de batata doce, mais duro que carne de jegue!
Inté!
Um comentário:
muito boa
essa entrevista com o Rapadua..
mostra a morte da cultura,
sa sociedade do povo em geral,
1 ano de vanguarda, parabéns pra ele,
essa entrevista me lembra um simlolo pagão..
o orobolos , que é uma cobra que se devora, começando pelo rabo..
assim ta aconteçendo com o Brasil..
abraçso parceiro..
esse post foi foda
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